A pandemia por Covid-19 está provocando uma crise econômica e social cujo precedente mais próximo é a crise de 1929, ocorrida nos EUA, que atingiu todo o sistema capitalista da época. Com a Covid-19, as desigualdades pré-existentes estão sendo aprofundadas, expondo vulnerabilidades em sistemas sociais, políticos e econômicos que, por sua vez, amplificam os impactos da pandemia.
Por Zelma Cavalcante*
Para as mulheres, os impactos da Covid-19 são exacerbados em todas as esferas, da saúde à economia, da segurança à proteção social.
Do ponto de vista econômico, evidências sugerem que a vida econômica e produtiva das mulheres será afetada de maneira desproporcional e diferente dos homens. Em todo o mundo, as mulheres ganham menos, economizam menos, mantêm empregos menos seguros e têm maior probabilidade de serem empregadas no setor informal. Segundo um relatório da ONU de abril de 2020, em muitos países, a primeira rodada de demissões foi particularmente aguda no setor de serviços, incluindo varejo, hotelaria e turismo, onde as mulheres constituem a maioria dos trabalhadores.
As mulheres também têm menos acesso a proteções sociais e são a maioria das famílias monoparentais. Sua capacidade de absorver choques econômicos é, portanto, menor que a dos homens, uma vez que para ganhar a vida, essas trabalhadoras geralmente dependem do espaço público e das interações sociais, que agora estão sendo restringidas para conter a propagação da pandemia.
Tais impactos arriscam reverter os já frágeis ganhos obtidos na participação da força de trabalho feminina, limitando a capacidade das mulheres de se sustentar e a suas famílias, especialmente para famílias chefiadas por mulheres.
No aspecto da saúde, as mulheres ficam expostas ao risco em grau maior devido à segregação sexual ocupacional: globalmente, as mulheres representam 70% da força de trabalho em saúde e têm maior probabilidade de serem profissionais de saúde na linha de frente, especialmente enfermeiros, parteiras e agentes comunitários de saúde.
Além disso, é sabido que a prestação de serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo assistência à saúde materna e serviços relacionados à violência baseada no gênero, são centrais para a saúde, direitos e bem-estar de mulheres e meninas. O desvio de atenção e recursos críticos para longe dessas disposições pode resultar em mortalidade e morbidade materna exacerbadas, aumento das taxas de gravidez na adolescência, HIV e doenças sexualmente transmissíveis.
Um outro aspecto relevante a ser registrado diz respeito ao trabalho invisível e não remunerado de mulheres e meninas.
A crise global do COVID-19 tornou extremamente visível a existência de desequilíbrios graves na distribuição do trabalho de assistência não remunerada entre homens e mulheres, bem como o fato de que as economias formais do mundo e a manutenção de nossas vidas diárias são construídas com base no trabalho invisível e não remunerado de mulheres e meninas. Com as crianças fora da escola, as necessidades de cuidados intensificados dos idosos e membros da família doentes e serviços de saúde sobrecarregados, as demandas por assistência médica no mundo se intensificaram exponencialmente.
As partes menos visíveis da economia do cuidado estão sob crescente tensão, mas permanecem inexplicáveis na resposta econômica.
Dentre as demandas aprofundadas pela Covid-19, podem ser verificadas:
- Cuidados com pessoas afetadas e que são liberadas dos serviços de saúde, mas que ainda precisarão de cuidados e assistência em casa;
- Cuidados com membros da família que sofrem de outras doenças, inclusive as crônicas, diante da redução dos serviços sociais e de saúde, que estarão voltados para a pandemia;
- Assistência aos filhos em idade escolar, diante do fechamento das escolas;
- Cuidados com os idosos e ao autocuidado, uma vez que em todos os países, as mulheres são maioria entre os idosos, especialmente à medida que avançam com a idade. Globalmente, as mulheres representam 57 por cento das pessoas com 70 anos e 62 por cento das que têm mais de 80 anos. Mulheres de todas as idades fornecem a maior parte dos cuidados não pagos a pessoas idosas, homens ou mulheres; a continuidade desse cuidado dependerá de sua própria saúde e bem-estar, bem como de sua capacidade de minimizar o risco de contágio para as pessoas sob seus cuidados.
À medida que a pandemia do COVID-19 aprofunda o estresse econômico e social, associada a medidas restritas de movimento e isolamento social, a violência baseada em gênero está aumentando exponencialmente. Casas lotadas, abuso de substâncias, acesso limitado (interrompidos ou inacessíveis) a serviços públicos de proteção, bem como o apoio de colegas reduzido estão exacerbando essas condições. Muitas mulheres estão sendo forçadas a se “trancar” em casa seus agressores, aumentando a dificuldade de procurar ajuda.
Além do aumento dos números, a violência contra as mulheres está assumindo uma nova complexidade: a exposição ao COVID-19 está sendo usada como uma ameaça; os agressores estão explorando a incapacidade das mulheres de pedir ajuda ou escapar; as mulheres correm o risco de serem jogadas na rua sem ter para onde ir.
Por fim, a pandemia global levou a um aumento significativo das restrições à liberdade de circulação de pessoas em todo o mundo e já há relatos preocupantes sobre o uso indevido de medidas de emergência corroendo ainda mais os direitos humanos e o Estado de direito. O exemplo mais lembrado é o que está ocorrendo no sistema penitenciário, com denúncias de torturas.
CONCLUSÃO
A pandemia do COVID-19 e seus impactos sociais e econômicos criaram uma crise global sem paralelo na história desde a Segunda Guerra Mundial, amplificando e aumentando todas as desigualdades existentes, exigindo uma resposta de toda a sociedade que corresponda à sua escala e complexidade.
Resta cada vez mais claro que que essa resposta precisa questionar o modelo de sociedade que produz e reproduz as desigualdades que tornaram o mundo tão vulnerável aos impactos da crise, em especial as mulheres. É preciso haver comprometimento para reconstruir sociedades mais iguais, inclusivas e resilientes, que transformem as iniquidades do trabalho não remunerado em uma nova economia inclusiva que funcione para todos.
*Zelma Cavalcante é advogada, mestra em Ciência Política e membra do Diretório Estadual e Municipal do PCdoB-PI
As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do PCdoB