O Brasil vive um importante e necessário debate sobre as regras que vão
reger as eleições para a Câmara Federal, para as Assembleias Legislativas e
para as Câmaras Municipais. No entanto, é preciso jogar luz sobre as
discussões em andamento no Congresso Nacional e na sociedade. Para
melhor entender esse debate se faz necessário o resgate da nossa tradição,
da trajetória e da experiência do povo brasileiro em relação às eleições
parlamentares. Se pegarmos essa questão a partir do início do período
republicano (1889), o que temos nos sistemas eleitorais, de forma
predominante desde então, é a eleição proporcional para a Câmara Federal
e demais casas parlamentares e, associado a esse sistema, as composições
políticas através do instrumento das alianças partidárias ou coligações,
termo hoje utilizado. Ao longo do tempo as Constituições, em períodos
democráticos, bem como a legislação infraconstitucional, consagraram a
ideia do pluralismo partidário, da proporcionalidade e das alianças
partidárias para a eleição parlamentar. Exemplo disso é o Código Eleitoral
de 1932, que previa em seu Art. 58: Processa-se a representação
proporcional nos termos seguintes. 1° É permitido a qualquer partido,
alianças de partidos, ou grupo de cem eleitores, no mínimo, registrar no
Tribunal Eleitoral, até cinco dias antes da eleição, a lista de candidatos,
encimada por uma legenda. As legislações eleitorais que se seguiram
mantiveram esse avanço importante que possibilita a representação da
diversidade de ideias e de segmentos sociais no parlamento brasileiro. É
possível também observar que o sistema de representação proporcional
quase sempre esteve acompanhado da faculdade de coligação entre os
partidos nas eleições parlamentares. As duas eleições para as Assembleias
Constituintes mais importantes realizadas no Brasil, em 1945, no pósguerra, e em 1986, logo após o fim da ditadura militar, de triste memória,
foram realizadas sob o instituto das coligações e nos legaram constituições
democráticas e com forte caráter nacional, ampliação dos direitos sociais e
garantias de liberdades individuais e coletivas. Esses avanços civilizatórios
só foram possíveis em razão do pluralismo de pensamento político e da
diversidade de segmentos sociais representados nessas duas Constituintes
viabilizados, dentre outras questões, pelos ventos democráticos que
sopravam nesses dois momentos de efervescência da vida política nacional
e, importante destacar, por ser proporcional a eleição e pela possibilidade
de alianças entre os partidos. É importante destacar que nesses dois pleitos
para eleição de parlamentares para redigir essas constituições históricas, as
alianças partidárias, via coligações, foram fundamentais para a escolha de
constituintes comprometidos com o estado democrático de direito, com a
soberania nacional e com direitos sociais e trabalhistas. Os partidos
políticos são, portanto, fundamentais para a democracia. Atribuir as crises
políticas e de governabilidade aos partidos políticos é, no mínimo,
desinformação, análise simplista, má fé ou, mais grave ainda, aposta na
anti-politica, cujas consequências dramáticas o povo brasileiro vive nos dias
atuais. Dizer que os “pequenos” partidos são ou favorecem a prática das
conhecidas “siglas de aluguel”, com exclusividade, não encontra
fundamentação na história recente. Se tomarmos como parâmetro três
graves crises que tiveram grande repercussão nacional, envolvendo os
partidos no Congresso Nacional, quais sejam: “os anões do orçamento”, o
“mensalão” e a execrável “lava jato”, não foram exatamente os “pequenos
partidos” os maiores implicados nesses processos que levaram a acentuada
instabilidade política, grande desgaste dos partidos e a graves retrocessos
políticos. Em relação à dita governabilidade, não é a quantidade de partidos
que a comprometem, mas a prática explícita do fisiologismo político para
formar maiorias. Exemplo dessa prática hoje é o tal bloco do “centrão”,
capitaneado por grandes siglas ou parte delas, cuja prática é a apropriação
do orçamento em troca de apoio parlamentar, como forma de reproduzir o
seu poder político nos estados e, consequentemente, no próprio Congresso
Nacional. Na verdade, o que está por trás da ideia da redução do número
de partidos é a domesticação e a elitização do parlamento, em especial da
Câmara Federal. Poucos partidos, significa maior facilidade para a
cooptação pelo executivo e, também, para a ação dos diversos lobbies de
interesse que atuam no Congresso Nacional. Menos partidos no
parlamento quer dizer também concentração de poder nas mãos de poucos
na hora de decidir questões importantes para a nação brasileira. Fica claro
ainda, apesar do discurso demagógico, que uns poucos e ungidos partidos
farão o rateio das comissões e demais estruturas nas casas legislativas e
dividirão, entre essas poucas legendas, o Fundo Partidário e o Fundo
Eleitoral. São essas as questões que estão em jogo.
Outra vez esse tema está na ordem do dia. O Senado Federal votará em
breve a volta das coligações partidárias para as eleições proporcionais. A
mídia hegemônica, aliada às grandes legendas, demonizam as coligações e
fazem campanha aberta contra a PEC 28/2021, que prevê o seu retorno já
para as eleições de 2022. Estranho que partidos de caráter democrático e,
até mesmo de esquerda, caiam nessa cantilena da redução do número de
partidos no parlamento, sob o falso argumento da governabilidade ou de
melhor funcionamento das casas legislativas. Os partidos devem ser
submetidos ao crivo da sociedade, é ela que devidamente esclarecida e sob
regras democráticas deve dizer, nas eleições, quais partidos podem melhor
lhe representar. Mas porque as coligações são mais democráticas?
Primeiro porque é uma faculdade dos partidos, ou seja, as legendas não
obrigadas a formalizar coligações e segundo, porque realmente o instituto
das coligações favorece alianças que possibilitam maior diversidade e
pluralismo de representação partidária e de ideias no legislativo em todos
os níveis. Portanto, considero fundamental que o Senado Federal, que
votará em breve a PEC das Coligações, aprovada por ampla maioria em dois
turnos na Câmara Federal, possa também resgatar essa prerrogativa dos
Partidos de decidirem a melhor forma de disputar, no debate com a
sociedade, as vagas para a Câmara Federal, Assembleias Legislativas e
Câmaras Municipais. É preciso devolver aos Partidos a soberania de
decidirem se querem disputar as eleições em chapas próprias ou em
coligações. Isso sim, é democrático.
Teresina, 21 de setembro de 2021.
José Carvalho Rufino.
Advogado e Pós-Graduando em Direito Constitucional e Eleitoral.
Presidente Estadual do PCdoB do Piauí.